Acolhimento
Álbum dos Encontros
Antigo Combatente
BII 17
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Fotos das Nossas Terras
Fotos das Novas Glórias
Fotos das Velhas Glórias
Fotos dos Grupos 4740
Fotos dos Grupos Espec.
Funeral Armas
História da CCAC 4740
Nós
Antes e Depois
Os
Nossos Aniversários
Se
Bem Me Lembro
Solidariedade
|
SE BEM ME LEMBRO |
Esta
página, destina-se à publicação das nossas Recordações.
Para publicarmos os textos e as fotos que nos enviarem,
usem um qualquer e-mail existente nos contactos. Queremos fazer um site que possa ser visto por qualquer criança,
e que esta não seja violentada com imagens menos próprias, essas, tomaremos a
liberdade de não publicar e informar o autor do artigo.
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A
gastronomia da região onde
nascemos e crescemos por mais
simples e “pobre” que seja tem
uma identidade de paladares e
rituais que nunca abandonarão a
nossa vida e a ausência dos
aromas e sabores da nossa
infância é sempre motivo de
nostalgia e até de saudade, por
isso considero que a gastronomia
constitui um pilar identitário e
cultural a que às vezes é dada
pouca importância. Quando por
razões imperiosas como a guerra
ou a emigração nos afastamos do
nosso Chão é que valorizamos,
como quase tudo, as comidinhas
que deixámos para trás e que o
local onde passámos a viver não
nos oferece. Na Guiné devido a
todas as dificuldades de
logística, de conservação dos
alimentos e até de aquisição de
alguns bens que os naturais se
recusavam a comercializar, a
base da alimentação era o arroz,
o feijão e conservas, que sendo
excelentes alimentos, a sua
presença sistemática nos
refeitórios e messes, acabava
por saturar e fazer crescer a
água na boca só com a lembrança
de batata frita ou cozida, de
uma boa sardinha assada ou de um
simples bife com ovo a cavalo.
Sempre que através de uma
encomenda enviada pela família
ou qualquer outro acontecimento
invulgar nos permitia inventar
um “petisco” era uma festa e
esse acontecimento passava a
fotografia que ainda hoje figura
no nosso precioso e muito intimo
álbum que é a memória. Para além
de algumas outras recordações,
seleccionei quatro estórias de
comida que partilho com os
amigos e camaradas do Blog, para
que as conheçam e recordem as
vossas próprias aventuras
gastronómicas na Guiné.
Menu das experiências
I –
Uma oferta dos camaradas de
Cacine permitiu mayonnaisse em
Cufar.
II –
Açorda de bacalhau com coentros
e tudo.
III –
O Padeiro
de Mato de Cão
V –
Macaco em
Mato de Cão.
I - Uma oferta dos
camaradas de Cacine
permitiu mayonnaisse em
Cufar.
Uma das
ausências nos nossos pratos na
Guiné, era o peixe fresco. Sobretudo
quem vivia no litoral de Portugal
tinha o pescado sempre presente na
sua dieta e embora muitos
preferissem a carne que era cara e
por isso de uso menos frequente, a
falta do “peixinho” era notada. Na
companhia que estava estacionada em
Cacine esta falta não se sentia
porque abundava peixe com qualidade
no rio Cacine e um belo dia foi-nos
enviado um de dimensões generosas
pelos camaradas daquela unidade que
certamente sabiam das nossas faltas.
Se o projecto de almoço era uma
delícia só para a vista, a
imaginação foi ainda mais rápida e
pensei imediatamente em mayonnaise,
um prato frequente em minha casa,
sobretudo no verão, e de que tinha
imensas saudades. Propus-me
imediatamente para como auxiliar de
cozinha produzir a desejada iguaria
e não se perdeu tempo, não faltavam
ovos, azeite, sal e vinagre pelo que
o principal estava garantido e
portanto mãos à obra! Como tinha em
miúdo auxiliado a minha mãe a
confeccionar a mayonnaise (segurava
a tigela) segui os passos de que me
lembrava e o molho foi aparecendo na
enorme malga de aço com aspecto e
gosto de que me lembrava e a grande
quantidade produzida permitia além
de um bom exercício de musculação
para antebraço e pulso temperar o
peixe já cozido e reservado para a
degustação. O problema foi a
ausência de ervilhas, feijão-verde,
alface, pikles, beterraba, cenoura,
azeitonas, enfim, faltava quase tudo
o que normalmente acompanhava aquela
refeição fresca e saborosa de que me
lembrava mas felizmente não faltava
o apetite, o peixe e as batatas o
que já era quase literalmente uma
lança em África. O peixe e as
batatas foram servidos e temperados
com aquela deliciosa mayonnaise de
que ainda hoje me lembro e que
talvez tivesse sido a primeira
mayonnaise servida na Guiné.
II – Açorda de bacalhau com coentros
e tudo.
Na região
Oeste onde tenho as minhas origens
os coentros eram pouco utilizados,
das poucas aromáticas que tenho
memória figuram a salsa, a erva
azeitoneira, o louro, a segurelha, a
hortelã e a cidreira. A minha
primeira experiência gustativa com
os coentros surgiu por acaso em
Cufar na Guiné. Um sargento do
quadro permanente que creio prestava
serviço no COP4 ou no Pelotão de
Intendência, alentejano de gema não
dispensava os coentros para recordar
os sabores natais e convidou-me para
uma açorda alentejana, prato que eu
desconhecia, na minha região apenas
tinha comido a dita de alho que
acompanhava habitualmente peixe
frito embora muitas vezes constituía
acompanhamento e conduto. Claro que
estas ofertas nunca se desperdiçavam
e aderi de imediato ao petisco que
foi confeccionado na minha presença
pelo sargento que dispunha de uma
pequena plantação da dita erva
aromática. Pisou os alhos com os
coentros e o sal, juntou o azeite e
água quente de cozer o bacalhau e
regou com esta extraordinária
mistura uma malga onde aguardava o
bacalhau já desfiado e o pão que não
sendo alentejano cumpriu de forma
admirável a sua função. Foi um
petisco maravilhoso do qual guardo
boa memória, neste caso trazida da
Guiné, apesar de não ser um prato da
região. Uma prova que a convivência
dos militares num cenário de guerra
também fomentava a troca de
experiências e informações sobre
costumes e tradições das diversas
regiões do país o que também
contribuiu para o nosso
enriquecimento como pessoas e como
Portugueses.
III – O Padeiro de Mato
de Cão.
O
pão é um alimento extraordinário que
caso não tivesse sido criado há mais
de 6.000 anos na Mesoptâmia,
provavelmente a existência humana
tivesse sido comprometida. Não
conheço ninguém que não goste de pão
nas suas múltiplas formas de fabrico
e em particular, nós portugueses não
o dispensamos para acompanhamento ou
mesmo como elemento principal de uma
refeição. Em Mato-de-Cão embora o
efectivo dos europeus se limitasse a
dez elementos, um deles tinha a
“especialidade” de cozinheiro que
também abrangia a de “padeiro”.
Infelizmente tratava-se de uma
pessoa com enormes limitações
cognitivas, recordo-me que entre
outras confusões achava que “valor
declarado” e “louvor declarado” eram
a mesma coisa e não fora as grandes
dificuldades de recrutamento da
época o nosso jovem “cozinheiro”
seria certamente adstrito ao
contingente de básicos. Na cozinha
dada a simplicidade e a repetição
dos menus as coisas iam correndo,
mas no que dizia respeito ao pão, o
homem não se safava e a nossa
dentição só resistia devido aos
vinte e poucos anos de uso que tinha
na altura e o produto do nosso
padeiro só era tragável numas sopas
de café. Propus-me a alterar esta
situação para mim desastrosa e com
calma e paciência arranjei umas
medidas para que ele respeitasse as
quantidades de farinha e fermento,
indiquei-lhe o tempo da levedar da
massa, mas continuavam a sair pedras
ao invés de pães do nosso forno. A
paciência perdida e um exemplar da
padaria na cabeça do
“cozinheiro/padeiro” que ia
originando um traumatismo craniano
no funcionário levou-me a desistir
de o transformar num padeiro capaz.
Mas como o homem é criativo e sabe
aproveitar as oportunidades, um
soldado do pelotão 52, o Jobo Baldé,
abordou-me com oportunidade e a sua
habitual irreverência – Alfero, Jobo
passa a fazer o pão para o pessoal!
– Não sabes fazer pão, Jobo, não te
metas nisto que arranjas problemas.
- Jobo sabe fazer pão, alfero, deixa
experimentar e vais ver. Perante sua
insistência e convicção e no
desespero de não haver outra
alternativa resolvi experimentar as
aptidões do Jobo para novo
responsável da padaria.
Expliquei-lhe as medidas para a
farinha e para o fermento, o tempo
para levedar e ele atacou de
imediato a nova função. Não sei se
por milagre ou se pelas aptidões
inatas do Jobo, no dia seguinte
quando este me chamou para ver o pão
acabado de cozer tive das grandes
alegrias gastronómicas da minha
vida. O pão estava quente, tinha
crescido por obra do fermento e da
forma carinhosa com a massa tinha
sido tratada, o som da batida no
“lar” parecia um tambor a acusar uma
boa cozedura e o abrir a crosta
estaladiça evidenciava um miolo
macio, fumegante e com um cheiro
delicioso. Regalámo-nos de imediato
com pão quente e manteiga e o Jobo
ganhou o lugar! O jobo estava feliz
com a nova função e cumpria-a com
pontualidade, brio e grande
competência. Posteriormente
ensinei-o a fazer merendeiras com
chouriço e ele começou a produzi-las
sem grande esforço de explicação.
Quando as tinha cozido trazia-me de
imediato uma e eu recordava as que a
minha avó fazia na Marteleira quando
era dia de cozedura. No que dizia
respeito ao pão, tínhamos atingido,
graças ao Jobo Baldé, a felicidade.
O Jobo também estava feliz, era
casado com uma mulher bem mais velha
que ele herdara do irmão entretanto
falecido. Embora esta mulher fosse
divertida e senhora de um grande
sentido de humor já tinha perdido o
fulgor e a beleza da juventude e o
nosso amigo e saudoso Jobo Baldé,
quando acabava de fazer o pão, tinha
sempre visitas de exuberantes
bajudas a quem ofertava uns pães a
troco de inconfessáveis favores. A
felicidade conquista-se com pequenos
acordos e cedências. Estávamos todos
satisfeitos…até as bajudas.
IV – Macaco em Mato de Cão.
IV –
Macaco em Mato de Cão. Sempre na
pesquisa de petiscos e novos sabores
para variar a nossa rotineira
cozinha, um dia o soldado Tomango
Balbé, o maior “pintoso” do pelotão,
depois de alguns convites para comer
o fígado de “bandido” quando
apanhássemos um, veio sugerir que
petiscássemos macaco cão. A primeira
ideia foi imediatamente recusada,
embora ele defendesse que iriamos
reforçar a nossa força com a do
inimigo abatido e cozinhado, este
prato estava longe de poder ser bem
acolhido por nós, a não ser que o
“bandido” fosse uma gazela tenrinha
ou um javali bem gordinho, contudo a
ideia do macaco cão não era
totalmente de deitar fora. Os
guineenses comiam macaco cão com
regularidade, esta iguaria era até
muito apreciada e havia quem achasse
a carne do macaco semelhante à do
cabrito, por isso aceitámos comer um
quando a caça o permitisse. Um dia
o Tomango apareceu com um macaco cão
acabadinho de ser caçado e como não
podíamos voltar com a palavra atrás,
o animal foi para a cozinha para ser
preparado. O aspecto do bicho era
devastador depois de esfolado pois
tinha mais semelhanças com um humano
recém-nascido do que com um cabrito,
foi colocado a marinar em vinha de
alhos e depois para o forno para
aquecer os nossos estômagos no
jantar do dia. Havia poucos
candidatos para a degustação, mas
depois de cortado e arranjado no
forno com as batatinhas assadas
apresentava um aspecto comestível,
até atractivo e a abrir o apetite.
Os menos receptivos ao manjar foram
alterando as suas posições, alguns
após provar até repetiram e o
tabuleiro ia ficando vazio. O grande
companheiro e amigo Santos, o
furriel mais antigo do 52, era dos
menos entusiasmados com o manjar,
mas perante o exemplo dos outros
camaradas que já tinham esquecido o
que estávamos a comer, lá pegou num
bracinho do bicho que parecia estar
bem passado, atirou-se a ele e ainda
deu umas dentadas, de repente e
quando já ninguém esperava, desata a
correr para a parada e pelos sons
que chegavam à cobertura de chapa
ondulada a que chamávamos
refeitório, estaria a libertar o seu
estomago sofredor não só do petisco
acabado de deglutir, mas também de
todas as refeições ingeridas nos
últimos dias. Passado algum tempo,
já recuperado do esforço libertador
daquela comida que o estomago se
recusou a receber, perguntei-lhe –
Então Santos, não gostaste do
cozinhado? Ele ainda amarelo e
enjoado respondeu que não foi pelo
paladar que nem estava mau, o que o
enjoou foi a pilosidade do sovaco do
bichinho que não tinha sido
convenientemente depilado.
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Reencontros, encontros e desencontros!
Visita aos Açores 2011 |
Depois de
um sobressalto com a minha máquina
“coração”, após o nosso encontro em
Fátima, que se dispunha a querer
abrandar o ritmo ou, quiçá, faze-lo
mesmo parar, reparada que foi em
tempo oportuno a 13-07-11, cá me
deixei convencer pelos filhos e
aceitar a sua oferta, revisitar a
nossa Terra, os Açores de minha
alma. O local escolhido tinha que
ser para descanso, essa era á
partida a condição imposta e nesse
contexto nada melhor que o Faial,
para cumprir a tradição Açoriana que
reza assim, “S. Miguel para
trabalhar, a Terceira para bailar e
o Faial para descansar”, foi fazer a
mala e meter pés ao caminho que o
HOMEM da Terra já lá estava com a
família á nossa espera. Reencontrado
o HOMEM da Terra, o José Adelino
Goulart da Rosa e da sua (nossa)
família, aqueles que foram dotados
de um enorme coração e grandeza de
alma, foi instalarmo-nos no repouso
que nos havia reservado e esperar
que o tempo decorresse
pachorrentamente para que o
objectivo fosse alcançado, esperar
que o José Maria regressa-se das
suas vindimas no Pico e fechar o
ciclo dos reencontros no Faial,
pois, o José da Silva tinha vindo de
véspera para Lisboa. Encontro casual
com a sempre e pronta colaboração do
nosso amigo Salvador, que da Holanda
me informou da presença do nosso
companheiro Leonel Rodrigues, estava
na Horta, não onde se cultivam os
tomates e as alfaces, mas a Horta,
Faial para onde viajou das Flores a
uma consulta médica no Hospital e
aconteceu uma história digna de
menção; o nosso amigo Leonel sem nos
apercebermos jantou junto a mim,
estava eu com minha mulher a jantar
e já perto do fim entrou ele no
restaurante para tratar do mesmo,
não sei como mas pressenti que algo
me dizia aquela cara não ser de todo
estranha, mas ele sentou-se na mesa
atrás da nossa e ficou de costas,
não dei mais atenção, não era
possível e continuei a conversa,
demos o nosso jantar por terminado e
saímos, quando estávamos na
esplanada junto da marina a tomar o
nosso café liga o Salvador da
Holanda a informar a presença do
Leonel, liguei-lhe a saber onde
estava, resposta pronta, estou nas
Angustias, também eu respondi,
afinal estávamos a escassos 500
metros, fui de imediato ao seu
encontro e qual o nosso espanto, já
nos havíamos encontrado, seguiu-se
novo encontro no dia seguinte já com
o Goulart da Rosa conforme se pode
ver pela foto e um jantar a três
para despedida, escolhido que foi o
mesmo restaurante, ele regressou ás
Flores na manha seguinte.
Desencontro, foi o que aconteceu com
o José da Silva, mas esse por uma
boa causa, tinha vindo a Lisboa afim
de ser operado e como sabem tudo
correu bem e neste momento em que
escrevo estas linhas, 23h30 de
Domingo 09-10-11, já falei com ele
na sua casa nos Cedros, Faial onde
se encontra junto dos seus mais
próximos, ficou a saudade de um
abraço por dar, não de uma visita
por fazer, essa a outros coube tal
função na sua permanência na
Capital, mas não deixei de ir á sua
Terra em dia de festa rezar ao “seu”
Santo António pela sua recuperação
que com a Graça de Deus e a ajuda da
sua enfermeira Amélia se fará pelo
melhor, tenho fé. No período da sua
estada no hospital foi mantido o
contacto diário a partir da Horta
pelo José Adelino Goulart da Rosa e
pelos restantes que por lá
permaneciam. Novos reencontros em S.
Miguel, como tinha escala de ligação
ao Porto em Ponta Delgada com tempo
bastante para uma breve visita,
deleguei no Pedro Jorge Sousa Rego
(batatinha) que viesse ao meu
encontro, me conduzisse aos Arrifes
ver o Abel Raposo, o João Luís
Pereira Soares ao saber da minha
presença, juntou-se a nós e foi
carregada de muita emoção esta
visita surpresa para o Abel, mas ao
mesmo tempo de muita alegria,
encontrei um Abel rodeado do maior
carinho e abnegação por parte da
esposa, filhas, família e vizinhos;
e repito aqui o que lhe disse, tenho
fé e esperança de um dia o poder
visitar noutras circunstâncias, Deus
tem muito para fazer e não se
esquecerá de um homem bom como
aquele Abel que todos conhecemos,
afinal ele tem a seu lado um dos
sorrisos mais bonitos que eu conheci
em toda a minha vida, a sua menina
Carolina. As poucas fotos anexas
dizem o resto do que foi esta visita
pela nossa Terra e a nossa gente,
deixarei para outra oportunidade
descrição mais ao pormenor caso
assim o entendam, ou então é só
darem um toque para o meu telemóvel
e eu, como sempre, estabeleço a
ligação e aí falaremos o tempo que
cada um quiser ou esteja disposto a
escutar as historias do Faria e da
sua viagem, até lá vai daqui um
grande abraço para todos e um grande
obrigado aqueles que nos receberam,
nunca encontrarei palavras bastantes
para o fazer, espero-vos a todos a
qualquer momento no Norte ou em
Fátima a 16 Junho 2012. Pedroso,
09 Outubro 2011 – Armando Faria
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“CENOURA” |
Estranho
nome para herói Nunca imaginei que
uma memória com qua-se quarenta
anos, a memória dum Amigo de quem
nem o nome sabia e que vivia no meu
íntimo e nos meus afectos sob o
pseudónimo de “Cenoura” por virtude
do seu cabelo quase vermelho, havia
de provocar a confusão que gerou.
No almoço da Companhia 4740, em 19
de Junho do ano em curso entendi, em
nome pessoal, “louvar” dois antigos
camaradas: Marcelino da Mata,
Alferes graduado e o “Cenoura” de
quem desconhecia o nome. Sabia ser
Furriel Piloto da Força Aérea, ter
estado em Cufar muitas vezes durante
o dia, fazendo segurança com os
aviões, ter uma forma de estar
cativante e um ar de menino
porventura aumentado pela invulgar
cor do cabelo. Também sabia que
havia sido abatido por um míssil
Strella em Abril de 1973. No início
da vida ela, essa vida, tinha sido,
como tantas outras, barbaramente
ceifada. A confusão começou com a
sempre presente boa vontade e
diligência do Furriel Faria aliada a
um coração tamanho do mundo, também
ele amigo do “Cenoura”: - Já sei
quem é o “Cenoura”! É o Furriel
Piloto António Carvalho Ferreira,
natural de Paços de Ferreira e
abatido na Guiné a bordo de uma
DO-27 no dia 6 de Abril de 1973. Em
vários sítios da internet foi
possível recortar boa parte desta
informação. Mas a verdade é que os
serviços do Registo Civil de Paços
de Ferreira não conseguiam
encontrar, num período de busca
alargado e com uma boa vontade sem
limites, nem o nascimento nem o
óbito do Ferreira. Os arquivos dos
serviços militares consultados
também não puderam dar, na
oportunidade, resposta às dúvidas.
Factos incontroversos não havia um
que fosse. Apenas indícios,
probabilidades, aproximações. E, sob
dúvidas, foi acrescentado um
apêndice ao texto lido em Fátima
admitindo a possibilidade do
“Cenoura” poder ser o Fur.Pilav
António Carvalho Ferreira. De
repente surge outro nome, vindo das
buscas do Fur. Oliveira: Baltazar da
Silva. Era Furriel Piloto, tinha
sido abatido na Guiné, no mesmo
fatídico dia 6 de Abril de 1973,
também pilotava uma DO-27 e, em
escrito inserto na internet sob
responsabilidade do ex-alferes
Abreu, aparece descrito como um
rapaz alto, de cabelo encaracolado e
muito ruivo. Perante esta última
circunstância só a improvável
existência de dois ruivos, ambos
Furriéis, ao mesmo tempo Pilotos na
BA 12, abatidos no mesmo dia podia
levar a supor que o “Cenoura” não
fosse o JOÃO MANUEL BALTAZAR DA
SILVA. O avião do malogrado
Baltazar da Silva foi localizado e
os corpos recuperados. O camarada
que transportou os corpos para
Bissau, Victor Barata, refere esse
facto com chocante emoção num
escrito dum conhecido e reputado
blogue - Luís Graça. Entretanto o
Arquivo Central da Força Aérea
deslinda com perícia a questão do
Furriel Ferreira. O seu nome
completo é Fernando António Carvalho
Ferreira, havia sido dado como
desaparecido em combate e, por
decisão de 5 de Novembro de 1984,
foi declarado o óbito e o
correspondente registo lançado na
Conservatória dos Registos Centrais.
De todo o modo apenas parece
existir uma forma equilibrada e,
sobretudo, justa de encerrar este
assunto: Os Heróis passam a ser
dois, Carvalho Ferreira e Baltazar
Silva. Dois quase-meninos, ao
serviço de Portugal, deixaram no
inicio de Abril de 1973 as suas
vidas na Guiné, tripulando as suas
DO-27. Os que com eles lidaram,
agora no limiar da velhice, podem
deixar rolar a lágrima guardada por
quase quarenta anos e, se tiverem
fé, pedir a Deus que tenha a Mão
sobre aqueles camaradas . Os nossos
Heróis merecem tudo, sobretudo o
nosso eterno respeito! Por eles e
pelas Famílias que os perderam. E,
afinal, por todos nós…
António
Zêzere, Parede, Agosto 2010
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PALAVRAS EM FÁTIMA NA REUNIÃO DE 19.06.2010 |
……. O pouco que havia era
partilhado. E havia realmente muito pouco. Nos
primeiros meses os oficiais e sargentos não
podiam tomar as refeições todos ao mesmo tempo.
Pela prosaica razão de que não havia pratos e
talheres para todos. Passavam-se semanas sem um
fresco na alimentação. E chegamos a ter para
comer arroz e marmelada. Foi ocasional mas
sucedeu.
Terão existido momentos
moral e eticamente reprováveis nas relações
entre pessoas diferentes. Chegou-se mesmo a
extremos de agressividade. Afinal não era
impunemente que se viviam dois anos em
permanente tensão. Mas não são os picos
negativos que relevam. O importante são outros
sentimentos bem diferentes que nasceram naquele
caldo de cultura que parecia só poder alimentar
desgraças.
É aquilo o que leva milhares
e milhares de ex-militares, ricos e pobres,
doentes e saudáveis, de esquerda e de direita,
benfiquistas e sportinguistas, intelectuais e
analfabetos, brancos e negros, a juntarem-se a
cada ano em memória de dois anos que deviam ser
mas não são, exclusivamente matizados de
sofrimento e horror. Não vão pedir nada. Não
esperam por nada. Vão só ver os Amigos, beber
juntos uma cerveja, recordar outro Amigo já
partido, chorar em conjunto e sem palavras uma
lágrima em memória de si próprios, saborear um
abraço com a força e a ternura da amizade em
estado puro. Não vão ganhar ajudas de custo nem
são transportados por autocarros
disponibilizados. A muitos custa mesmo pagar o
almoço sempre escolhido, por razões óbvias, em
espaços adequados.
Mas vão. Vão sempre.
A hemodiálise limpa o
sangue. Aqueles encontros limpam a alma. Ainda
bem que é tratamento não comparticipado…
Por isso nos incomodam os
aproveitamentos políticos dos movimentos de
combatentes e nos desagradam alguns pedidos que
camaradas, uma vez por outra, aproveitam para
fazer. Perante o que temos visto acho que só
existe uma solução. Enquanto veteranos não
queremos nada com partidos e com políticos. As
nossas relações são com a nossa consciência e
com Portugal. Com a nossa consciência qualquer
dívida se extingue, nos termos da lei civil, por
confusão. Com Portugal não negociamos e, logo,
não podem existir dívidas.
O respeito não se pede
exige-se!
Treze anos de
Guerra…centenas de milhares de
combatentes…milhares e milhares de
mortos…dezenas de milhares de feridos…
Portugal não ensina nas
Escolas o nome de um único Herói desta guerra. É
espantoso, inverosímil e vergonhoso. E faz-nos
doer fundo.
Mas eu arranjo já dois e os
meus Camaradas de todos os teatros de operações
indicarão, sem dificuldade, mais umas boas
centenas ou milhares.
- Marcelino da Mata,
Sargento Rodoviário, graduado em Alferes – Ordem
Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e
Mérito. Quatro Cruzes de Guerra.
“Cenoura”, Furriel Piloto,
menino de vinte anos, morto em combate na Guiné
em Abril de 1973. Não sei se tem alguma
condecoração. Nem sequer sei o seu nome. Mas é
meu Herói
Honra aos dois!
Só para que conste o meu
Herói e Amigo Marcelino esteve preso depois do
25 de Abril, no Forte Militar de Caxias, Reduto
Norte. Esteve à ordem não se sabe de quem,
acusado não se sabe de quê. Fui falar com ele a
pedido de militares amigos em posições de
responsabilidade. Apareceu-me impecavelmente
fardado e com todas as condecorações.
Nada sabia de política mas
intuía o que se passava. Nem uma queixa, nem um
lamento. Só me fez um pedido, ou melhor, um
alerta. A sua mulher estava, grávida, num andar
em Queluz ou Amadora, já não posso precisar, sem
falar português e sem ter meios de subsistência.
Felizmente a situação pôde ser resolvida com
alguma rapidez, por militares do quadro da mais
fina água, como era a esmagadora maioria dos que
tivemos o privilégio de conhecer. Mas a vergonha
do acto perdura. É nódoa que não se apaga.
O meu Avô materno, que Deus
tem, integrou as tropas expedicionárias em
Angola na I Guerra.
O meu Pai, que Deus tem,
esteve em Cabo Verde, também nas tropas
expedicionárias, na II Guerra.
Eu estive dois anos na
Guiné.
Em conjunto quase dez anos
ao serviço da Pátria.
Portugal não nos deve seja o
que for. Entre nós e a Pátria não há negócios.
Aliás, pouco demos comparado
com quem lá deixou amputados os corpos e as
almas, ou, como o nosso Herói “Cenoura”, que lá
deixou tudo o que tinha, dentro do seu
avião/esquife, no norte da Guiné.
A guerra é sempre
condenável, sem remissão. Mas as dificuldades
extremas moldam caracteres e originam
sentimentos únicos. E a guerra, sendo o
paradigma da dificuldade extrema, produz entre
os combatentes um fenómeno de agregação único
que só termina na morte. Como vão os políticos
entender isto!? Como vão eles lidar com valores
que lhes são estranhos? Como vão eles
compreender que existe Gente que só quer que os
deixem em Paz? Que é capaz de dar tudo sem nada
esperar em troca?
Até sempre camaradas! Até
sempre irmãos! São vocês a minha Gente, aquela a
quem dou, de olhos fechados e alma tranquila, o
meu voto! E não é um voto qualquer, é um voto
para a Eternidade!
Em tempo:
Diligências posteriores
fazem supor, com grande probabilidade, que o meu
Herói “Cenoura” foi o Furriel Piloto Aviador
ANTÓNIO CARVALHO FERREIRA, natural da Paços de
Ferreira. Foi abatido por um míssil Strella no
norte da Guiné em 06.04.1973, a bordo da DO-27
que pilotava. O seu corpo terá sido resgatado
por um grupo de combate de Pára-quedistas do BCP
12 (informações recolhidas em sítios de antigos
combatentes e informações oficiais na internet).
Ainda em tempo:
A Justiça manda que se diga
não ser invulgar as Autarquias fazerem levantar
um símbolo de homenagem aos seus Filhos caídos
na Guerra do Ultramar. Não temos que agradecer a
mais que justificada atenção, mas é decente
referi-la. Com gosto o fazemos.
António Zêzere,
ex-alferes. Parede, Agosto
de 2010.
Extracto de um escrito “Camaradas & Irmãos de
Cufar”
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DO OUTRO LADO DO CUBIJÃ
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As memórias das
guerras de África constituem um espólio das gerações que as
viveram e sofreram durante 13 anos.
Essas memórias sendo
naturalmente individuais são, de igual modo, colectivas,
património dessas gerações.
Apareceram, por oferta
de uma Senhora Professora Universitária com actividades
ligadas a África, algumas fotografias recentes do sul da
Guiné que podem ser importantes para quem as conhece.
Assim a gestão do
sitio da CCAÇ4740 entendeu publicar estas fotografias como
homenagem aos camaradas do “outro lado” do Cubijã, alguns
dos quais passaram por Cufar e outros que, não tendo
passado, sofreram enormes dificuldades naqueles locais hoje
calmos e belos.
A todos os Camaradas
deste e do outro lado do Cubijã as nossas saudações.
Por
amabilidade da autora, incluímos aqui uma ligação
ao seu blogue, onde o seu conteúdo é deveras
interessante senão importante.
ÁFRICA DE TODOS OS SONHOS
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TOMBALI 2007 CCAC4942
Jemberem grupo
1
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TOMBALI 2007 CCAC4942
Jemberem grupo
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TOMBALI 2007 CCAC4942
Jemberem grupo
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TOMBALI 2007 CCAC4942
Jemberem grupo
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TOMBALI 2007
destacam. de cabedu |
TOMBALI-2007 |
TOMBALI 2007
Abrigo em Gilege |
TOMBALI-2007 |
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TOMBALI-2007 |
TOMBALI-2007 |
TOMBALI-2007 |
TOMBALI RI0 |
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AQUELES PARA QUEM A GUERRA NUNCA ACABAVA
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Quando
a fotografia do Alfa Nan
Cabo gritou a sua presença
no reagrupar da Companhia de
Caçadores 4740,
carinhosamente enviada pelo
Alferes Nascimento
do Pelotão de Canhões 5.7,
tomaram o seu legítimo lugar
nesta memória, aqueles para
quem a guerra nunca acabava.
Aqueles que de 1963 a 1974,
naturais da Guiné, viveram ao
nosso lado e muitas vezes
combateram connosco sem
licenças, sem fins
de comissão e, muitas vezes, sem a
consideração que a sua missão
impunha. Sujeitos aos mesmos ou
a maiores perigos que todos nós,
multiplicados por vários anos,
devem merecer a nossa estima, o
nosso respeito, o nosso
agradecimento e as nossas
desculpas. A estima, o respeito
e o agradecimento têm razões
óbvias na consciência de cada
um. As desculpas são devidas
pelo pouco cuidado que houve
para assegurar a sua presença no
seu chão depois da
independência. Hoje dir-se-á que
se tratou dos famosos e
inevitáveis danos colaterais.
Maneira eufemística de mascarar
comportamentos pouco desejáveis
para não dizer pouco dignos. O
Alfa é um bom exemplo.
Ia em todas as operações, com todos os grupos, de
todas as Companhias que passaram
por Cufar. Ninguém dispensava o
Alfa apesar dos anos de desgaste
e sofrimento.
Ninguém avaliava o que lhe ia na
alma.
Ninguém se preocupava com o queria
ou não queria. Ninguém percebia
que o Alfa estava a ficar velho
e muito
cansado. Não sei, se calhar
ninguém sabe, o que sucedeu ao
Alfa depois de 1974. Mas sei que
lhe devo esta
palavra de respeito profundo e
de desculpas sentidas.
Não faço ideia de como se chamava o senhor comandante do
nosso Batalhão. Mas tenho a memória do Alfa Nan Cabo gravada
na alma e honra-me reconhece-lo como camarada.
António
Zêzere, Maio de 2008.
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O MEU
25 DE ABRIL DE 1974
UM DIA ATRIBULADO PARA
VIR DE FERIAS NO CONTINENTE
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Preparar tudo para que não houvesse percalços
foi fundamental, assegurara a viagem para
Bissau, passaporte militar assinado e pronto a
levantar no Quartel General, passagem de avião
na TAP, marcada e bilhetes emitidos, toda a
logística foi confirmada, vir de férias era
então uma realidade.
Deu-se início ao processo físico, estávamos no
dia 25 de Abril de 1974, a azáfama do dia
começou bem cedo, mesmo assim, o sol já ia alto.
A primeira parte da viagem foi de Cufar para
Bissau, só foi possível numa LDG que iria passar
ao largo no rio Combija, e esta impunha uma
condição, não atracar no porto de Impungueda
porém iria de motores parados ou seja, em marcha
lenta.
Foi então necessário, activar a equipa de
barqueiros para nos transportar até à LDG. Esta
equipa, era constituída por dois Açorianos
que
devido à sua fisionomia, faziam, lembrar-me uma
dupla cinematográfica Italiana o Franco Franchi
e Ciccio Ingrassia, um alto o Peixoto, o outro
baixo o
Couto mas ambos magros, só que estes, manejavam
de uma forma perfeita como só um pescador sabe,
a geringonça do barco de fibra a que chamávamos
de sintexe e que servia para transporte de
pessoas e mercadorias.
Após uma longa espera no porto de Impungueda no
rio Cumbija, onde se fazia sentir a presença de
um navio patrulha, apareceram finalmente ao
longe os zebros com os fuzileiros que faziam a
escolta ao navio e por fim, a tão esperada
LDG.Era hora de entrarmos a bordo da LDG que
para reduzir velocidade, tinha desligado os
motores, lá fomos no "sintex", após embarcarmos,
foi tempo de um agradecimento aos barqueiros, e
de um olhar mais, ao porto de Impungueda, onde
mais tarde voltei.
A viagem teve o seu início, sair dali era
preciso e bem depressa pois o calor da guerra e
a maré que estava na vazante, não eram propícios
a passeios de barco no rio, mesmo assim, pude
desfrutar de uma vista única rio abaixo, e em
direcção ao mar lá fomos.
A dado momento e já em pleno mar, mas
próximo de uma ilha o navio fundeou,
fiquei preocupado, precisava de ir ao QG
antes das 17:00 horas levantar o
passaporte e os bilhetes de avião, a
viagem estava marcada para o dia
seguinte no aeroporto de Bissalanca.
Vi que uns marinheiros saíram em fato de
banho e outros, em traje militar, tinham
estes últimos a missão de fazer a
segurança aos quem ia tomar o belo do
banho, sem conseguir esconder a minha
aflição, apressei-me a saber o porquê,
se íamos embora e quando, tive uma
resposta muito clara de
um oficial do navio, tem muita calma amigo,
houve um movimento militar em Lisboa e o
comandante do navio já aderiu, agora vamos
aguardar pela posição de Bissau, se aderir
navegamos para Bissau caso contrario,
navegaremos para Lisboa.
Escusado será dizer que quase entrei em pânico,
imaginava como podia ser desagradável viajar
naquele navio lotado de estivadores, eu não
tinha qualquer reserva de alimentos ou água,
enfim, o cenário era muito pouco propicio à
retenção de adrenalina mas nada podia fazer, as
horas passaram-se e bem devagar, sei que era
noite quando zarpamos rumo a Bissau onde
chegamos tardíssimo, a maré vazia obrigou-nos à
utilização de uma escada de corda e que chamaram
de portaló, de mala às costas lá fui escada
acima, oh quanto e difícil equilíbrio foi
preciso fazer, só eu e os outros que estavam na
mesma situação sabemos.
Chegados a Bissau fiquei
no clube de sargentos, ao nível da
restauração até que se podia dizer de
qualidade bem razoável, agora os
dormitórios, para os passantes que até
estavam folgados da vida do mato, eram
execráveis, penso que assim ficam bem
qualificados.
Depois de ter levantado os documentos
necessários no QG, foi um corre-corre
para o aeroporto, quando vai haver o
avião? Não sabemos, não há previsão,
bom, se bem me lembro, depois das
diversas esperas no aeroporto e se a
memória não me atraiçoa, a 29 de Abril
lá apareceu um avião e voámos rumo a
Lisboa.
Depois de chegar ao aeroporto
da Portela só sei que apanhei um táxi,
destino casa para ver a família que no meu
caso, se resumia aos meus pais namorada e
seus familiares. Confesso que não estava
preparado para estes movimentos militares e
políticos, tudo foi uma novidade ao ponto de
se passarem os dias de licença que restavam,
sem eu dar por isso. Agora que as coisas
tinham mudado de rumo, estava a chegar a
hora de voltar, faltavam 4 meses para o fim
da comissão mas já era maior a
tranquilidade, é que quando saí de Cufar, as
coisas estavam bem quentes provavelmente ao
rubro.Meus bons amigos, depois de voltar a
Bissau, de novo no Clube de Sargentos a
aguardar transporte para Cufar, entretanto
deu para dar um passeio por Bissau e
encontrar-me com o nosso companheiro
Marques, furriel de transmissões. Uma ida ao
Pelicano, passagem obrigatória para quem
deambulava por Bissau, o Pelicano era um
café que se situava junto ao porto de
Bissau. Por fim o regresso a Cufar para o
rescaldo da comissão.
Mário Oliveira – ex-furriel mecânico auto
Camarate, Abril de 2008
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ASSIM FUI TENDO FÉ, PEDINDO A DEUS QUE ME AJUDE |
É escrito com sangue e dor
Aquilo que vou falar
E com o maior fervor
Agora vou começar.
Com licença, meus senhores
Minha história eu vou contar,
Quando eu saí dos Açores
Para ir p’ró Ultramar.
Quando à Terceira cheguei
E segui para o quartel
Logo em mim recordei
A ilha de São Miguel.
Sentia uma coisa estranha
Sem saber compreender,
Coisa esquisita e tamanha
Difícil de entender.
-
O tempo se foi passando
Dias bem, dias mal,
E fomos continuando
Soldados de Portugal.
Passados dois meses
Lá fomos jurar bandeira.
Sofremos, mas às vezes
Parecia uma brincadeira.
Quando um dia na Parada,
À noite, o silêncio tocou,
Veio a notícia desamparada
Que o comandante contou.
Com umas folhas na mão
Más notícias veio dar
O nosso capitão
“Vão para o Ultramar”.
Dez dias mais
E fui a São Miguel,
Despedir-me de meus pais,
Eu, Eduardo Manuel.
Ó meu Deus, eu vou partir
Sem saber se isto é justo,
Qual o dia em que hei-de vir
Vou viver com tanto custo.
Quanto à nossa viagem
Melhor não podia ser,
Com espanto e coragem
Vendo o que tinha que ver.
Corrido cerca de um mês
Partimos para o mato,
Lá fomos para o Cantanhêz
Onde não parava um rato.
Na LDG embarquei
E beleza eu não vi,
Aquilo em que eu pensei
Foi na terra onde nasci.
Os dias se vão passando
Dão vontade de chorar,
As horas vou recordando
Passo a vida a disfarçar.
Na primeira operação
Que nós fomos fazer,
Deu-me um baque no coração,
O que veio a acontecer.
Quando os homens voltaram,
Três grupos da operação,
Logo as minas rebentaram,
Meu Deus, grande traição.
Passou palavra o primeiro,
Diz-me lá o que é que queres,
Vai chamar o enfermeiro
P’ra vir tratar do alferes.
Ó meu Deus, o que seria,
Quem serão os desgraçados?
Foram para a enfermaria
Três alferes estilhaçados.
Lá ficaram mutilados
Os infelizes sem sorte,
“Turras” serão apanhados
E todos irão à morte.
Que tristeza e amargura
Tanta vez aconteceu,
Morrer uma criatura
P’las mãos de um seu irmão.
Meus versos não levam cunho
Do que eu amo ou adoro,
Eles são o testemunho
Do que canto, do que choro.
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Assim se passa esta vida,
Horas tristes a chorar,
Se a dor fosse esquecida
Eu poderia cantar.
Sofrer vinte e quatro meses,
Um soldado nada tem,
Agonias, tantas vezes,
Só Deus sabe, mais ninguém.
Eu sei que estes versos são
Uma coisa escrita ao leve,
São pobres, sem perfeição
Como a pena que os escreve.
Estive quase a dar um tiro,
Primeiro dia de Agosto,
Ó que noite de martírio,
Passei a noite no posto.
Meus olhos no firmamento
Horas e horas, ou mais,
Vieram-me ao pensamento
Os meus queridos pais.
No dia 9 de Agosto
Fomos p’ro mato arreados,
Vamos voltar com o gosto
De não sermos apanhados.
À saída do quartel
Eu pensei na minha cama
E pensando em São Miguel
Caí enterrado em lama.
Que será preciso mais
Estamos aqui como uns parvos,
Tiram-se os filhos aos pais
E fazem deles escravos.
Quando a manhã nasceu
Cercámos o inimigo,
Foi a Fé que me valeu
Porque Deus vinha comigo.
Lá por fora o dia inteiro
Sem qualquer resultado,
Perdidos num cativeiro
Entre capim alteado.
Ao quartel quando chegámos
Sem forças e cheios de fome,
Quase não falámos
Fogo dentro nos consome.
Querem homens para a guerra
A padecer fel e dores,
Queremos sair desta terra,
Queremos ir para os Açores.
Dia 7 de Setembro
Saímos ao anoitecer,
Eu não quero que me lembre
Tantos homens a sofrer.
Era tanta a nossa mágoa
E com tantos embaraços
Apanhámos forte água
Que pareciam estilhaços.
A 23 de Dezembro,
Ó mãezinha muito querida,
Eu nem quero que me lembre
Parecia o fim da vida.
À noite dois pelotões
Saíram todos armados
E com nove foguetões
Lá fomos nós atacados.
O fogo acabou
Sem nos causar mal,
Nossa Senhora salvou
Os soldados de Portugal.
Isto foi acontecido,
Queiram todos acreditar,
Quanto se tem sofrido
Nesta vida militar.
Que vida tão rigorosa
Que até nos faz pasmar,
Que vida tão perigosa
Soldados do ultramar.
Assim fui tendo Fé,
Pedindo a Deus que me ajude
P’ra que ao sair de Guiné
Leve a vida e a saúde.
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